Pela primeira vez em quatro gerações, os tratores de Vito Amantia, agricultor da planície de Catânia, na Sicília, estão parados. O que antes era uma colheita anual de 650 mil quilos de trigo transformou-se em solo seco e plantas murchas sob o sol escaldante e a seca implacável. O veterano de 68 anos não precisou nem mesmo consultar a previsão do tempo para saber o que o aguardava em 2023. “Em janeiro, eu já sabia que seria um ano desastroso. As mudas de trigo, que normalmente alcançariam 80 cm, pararam em 5 cm e depois secaram”, lamenta.
Crise hídrica
A Sicília enfrenta uma das crises hídricas mais graves de sua história, colocando em risco a sustentabilidade do planeta. A maior ilha do Mediterrâneo, que registrou a temperatura mais alta da Europa em 2021, com 48,8°C, está à beira da desertificação. Nos primeiros seis meses de 2023, caíram apenas 150 mm de chuva, levando o governo italiano a declarar estado de emergência em maio.
Enquanto isso, turistas continuam a lotar a ilha, aparentemente alheios à crise que ameaça o futuro da região. Para os visitantes, o calor e a escassez de água parecem ser apenas parte do charme local, enquanto para os residentes e agricultores, como Vito Amantia, a situação é uma questão de sobrevivência.
Risco de Desertificação
De acordo com o Conselho Nacional de Pesquisa da Itália, a mudança climática já colocou 70% da Sicília em risco de desertificação. A maioria dos lagos da ilha está quase seca. O lago artificial de Fanaco, no centro da Sicília, que antes tinha capacidade para 20 milhões de metros cúbicos de água, hoje não passa de uma poça de lama, exalando um forte cheiro de peixes mortos em decomposição.
Empresas foram obrigadas a fechar suas portas, e milhares de famílias estão armazenando água em recipientes para garantir necessidades básicas como cozinhar e tomar banho. Em março, alguns reservatórios destinados ao abastecimento de água potável operavam com apenas 10% da capacidade.
Incêndios
Além da seca, os incêndios florestais de verão têm devastado a vegetação da ilha. No ano passado, os incêndios causaram danos estimados em mais de 60 milhões de euros, destruindo mais de 693 hectares de florestas. Somente entre segunda e terça-feira, pelo menos dez focos de incêndio destruíram dezenas de hectares de florestas, pinhais e terras agrícolas.
A Coldiretti, maior associação de agricultores da Itália, está tentando apoiar o setor agrícola reabastecendo lagos artificiais com caminhões-pipa. No entanto, este esforço isolado não é suficiente para enfrentar a magnitude do problema.
A crise é visível nas áreas rurais da Sicília, onde o único sinal de vida são pequenos rebanhos de gado esquelético espalhados pelas colinas áridas. Sem água para os animais beberem, muitos pecuaristas estão sendo forçados a vender ou abater seus rebanhos. “Sem água, minhas vacas não produzem mais leite”, diz Liborio Mangiapane, um agricultor de 60 anos. “A terra está se tornando um deserto.”
Turismo em alta
Apesar da gravidade da crise, a indústria do turismo na Sicília continua a florescer. Hotéis, resorts e B&Bs estão lotados, com turistas enchendo as ruas das principais cidades, praias e pontos turísticos. Enquanto isso, os operadores turísticos estão lutando para garantir o abastecimento diário de água para seus hóspedes.
Alguns hotéis se prepararam com antecedência, instalando tanques de água, enquanto outros recorrem a serviços privados de caminhões-pipa. “A cada manhã, verificamos os níveis de água em nossos tanques”, diz Francesco Picarella, presidente da Federalberghi em Agrigento.
A descoberta de um aquífero subterrâneo no ano passado trouxe uma esperança tímida, mas os moradores locais, como Vito Amantia, sabem que essa é uma solução que ainda pode demorar a chegar. “Eles precisam se apressar”, alerta Amantia. “Essa é uma bomba-relógio.”
Resumo para quem está com pressa:
- A Sicília enfrenta uma das piores crises hídricas de sua história, com risco iminente de desertificação devido à mudança climática.
- Agricultores como Vito Amantia já perderam colheitas inteiras, e a seca está devastando a economia rural.
- O Conselho Nacional de Pesquisa da Itália alerta que 70% da Sicília está em risco de se tornar um deserto.
- Apesar da crise, o turismo na ilha continua em alta, pressionando ainda mais os recursos hídricos escassos.
- Reservatórios e lagos estão quase secos, forçando a população a racionar água e depender de caminhões-pipa.
- A descoberta de um aquífero subterrâneo oferece esperança, mas ainda está longe de ser uma solução imediata.