Por trás de cada smartphone, carro elétrico, turbina eólica, exame de ressonância magnética ou sistema de defesa avançado, há uma família de elementos químicos que raramente conquista as manchetes, mas sustenta a engrenagem tecnológica moderna: as terras raras. Esses 17 elementos da tabela periódica possuem propriedades magnéticas, luminescentes e eletroquímicas únicas, o que os torna insubstituíveis em aplicações que vão da energia limpa à indústria aeroespacial, passando pelo setor médico e de defesa. Sem eles, praticamente toda a indústria tecnológica pararia.
Embora estejam presentes em vários continentes, a extração e, sobretudo, o refino das terras raras são processos caros, complexos e ambientalmente delicados. Ao longo das últimas décadas, a China construiu um domínio quase absoluto sobre a cadeia global: responde hoje por cerca de 70% da produção e por mais de 90% da capacidade de processamento. Essa posição privilegiada transformou os elementos em instrumentos de poder geopolítico. Em 2019, durante a guerra tarifária com o governo Trump, Pequim chegou a sinalizar que restringiria as exportações como forma de pressionar Washington. Mas foi em 2025 que a China demonstrou, de maneira contundente, a força dessa dependência.
No auge de uma nova rodada de tarifas norte-americanas, Pequim implementou restrições às exportações de sete terras raras médias e pesadas, como térbio, disprósio e gadolínio, exigindo licenças especiais com prazos de aprovação de até 45 dias. O impacto foi imediato: exportações caíram 37% em abril, enquanto a venda de ímãs de terras raras despencou 58% para os EUA. Montadoras como a Ford paralisaram linhas de produção em Chicago por falta de componentes; hospitais relataram atrasos em exames críticos que dependem de gadolínio; e a indústria de defesa, altamente dependente desses insumos, teve de buscar alternativas emergenciais. A mensagem foi clara: em uma disputa comercial, a China detém uma carta estratégica de alto valor.
A resposta de Washington veio na forma de investimentos bilionários para reduzir a dependência. O Departamento de Defesa passou a garantir preços mínimos para neodímio e praseodímio, subsidiando empresas como a MP Materials, que iniciou a produção de ímãs em solo americano. Projetos de mineração em estados como Wyoming e Kentucky avançam, enquanto alianças estratégicas foram firmadas com países como Austrália e Arábia Saudita para criar rotas alternativas de fornecimento. Ao mesmo tempo, os EUA começaram a formar estoques estratégicos, conscientes de que a construção de uma cadeia produtiva doméstica levará anos.
A disputa, porém, está longe de terminar. Em meados de julho de 2025, um acordo parcial reduziu algumas tarifas e flexibilizou o acesso norte-americano a ímãs chineses, mas os volumes continuam 38% abaixo do ano anterior. Pequim, por sua vez, intensificou o combate ao contrabando e reforçou o controle sobre suas exportações, enquanto a União Europeia criticou publicamente a “postura coercitiva” chinesa e corre para implementar seu Critical Raw Materials Act. Para Washington, a lição é clara: enquanto a indústria tecnológica continuar dependente da cadeia chinesa de terras raras, a economia e a segurança nacional estarão expostas a riscos estratégicos.
No mundo hiperconectado de hoje, quem controla os materiais críticos controla muito mais do que mercados: controla a própria base do poder tecnológico. A disputa pelas terras raras não é apenas uma questão de comércio, mas uma batalha de longo prazo pela supremacia estratégica, na qual cada atraso, cada gargalo e cada avanço no controle da cadeia global pode definir o equilíbrio de forças no século XXI.